domingo, 22 de março de 2009

O pacto, capítulo 8 - impressões e colo amigo...

Carta 4

Esta história de correio e cartas está me dando nova vida, sabia?
Agora sim, dá emoção chegar e pegar as correspondências. Antes, eram só contas, e quantas, ou aquelas propagandas de bancos ou seguros, ou carros ou cartões de crédito, e sei lá quantas propagandas... Sei que não abro nenhuma. Propaganda tem cara de propaganda e também sei que quem trabalha com isto faz estudos e mais estudos pra conseguir que o seu folder seja aberto e lido pelo consumidor. Acho que ainda não chegaram a algo que funcione comigo, a curiosidade, nestes casos específicos, não foi nunca o meu forte.
Mas, em outras situações, eu sou bastante curioso, principalmente em situações em que você está incluída ou envolvida , melhor dizendo.
Você deve estar feliz, rindo com seus botões, como diziam os antigos, porque conseguiu seu intento, escrevi esta mais rápido do que um raio caindo no mar, mas não se iluda, foi só uma pequena colher de chá de amigo velho pra faze-la sorrir, não se acostume mal, não posso faze-la sorrir sempre, já sabe das minhas limitações.
Bem, voltando ao fio da sua meada. Qual é esta história estapafúrdia de querer ter saudades de coisas ruins? Não entendi , pode fazer o favor de me explicar na próxima leva de palavras?
Outra coisa que fiquei no ar: fiquei com a impressão , que foi o tema de sua última carta, me senti obrigado a repetir...tive a impressão de que você estava um quê impressionada, com a vida, meio talvez, pra baixo?
O que foi, minha amiga, você que sempre foi tão positiva, sorridente e amalucada de tanta esperança que passava em seus gestos e palavras? O que foi que te aconteceu, minha amada amiga, não sei dizer, mas ler suas palavras assim, tão impressionadas com a vida, me trouxeram aquela vontade antiga de te pegar nos braços pra te dar colo...
Sabe bem como eu gostava de fazer isto com você. Eu gostava de me iludir de que eu era mais forte dos dois e que, só eu poderia te dar o alento pra continuar seguindo em frente, depois de suas brigas em casa, chutes na bunda que levava de namorados bundões,porque só bundões te abandonaram, você lembra que eu te dizia isto?
Esta é a impressão que ficou em mim. Minha velha amiga está precisando de colo de amigo. Estamos distantes, impossibilitados para tanto, mas sinta-se aqui em meu colo, sinta o meu abraço e se explique.
Estou ávido de suas explicações.
Um colo.

Eu

O pacto, livro na net, Capítulo 7-entre essências, leite,o tempo e muito mais...


Conta de leite e essência de canela


Chegou mais uma conta de leite. Parece que ultimamente, as contas têm chegado mais rápido. Não sei se isto é um bom sinal ou não. O tempo está correndo e o que me faz perceber é o papel branco cheio de números em cima da geladeira me fazendo lembrar que terei , de novo, que pagar o leite.
Penso que isto demonstra uma mesmice terrível. Pior que isto, talvez seja ouvir do marido que, depois de ir na casa de uns amigos, se lembrou de nossa sala e me disse:
-Tô cansado desta decoração. Por mim,mudava tudo.
Ouço e penso:
-Está cansado só da decoração ou de mim junto com o sofá usado e o outro conjunto desbotado?
Parece uma loucura, mas tem gente que ainda chega em casa e a acha, uma casa aconchegante. Onde estará esta sensação pro dono dela?
Isto tudo fará parte de um stress permanente ao qual estamos atrelados nestes tempos de muitas dívidas e pouca grana ou será coisa pior?
-Há quem entre aqui e ache uma casa de boneca, uma casa acolhedora.
-Mas, quem será este ou esta louca?
Enquanto isto, o tempo passa e mais uma conta vindo do leiteiro chega. É definitivamente uma casa de família. Até conta de leite tem.
Volto até àquela mesma sala que ele está cheio e coloco essência no abatjour, essência de canela que recende pela casa e pelos meus pensamentos.
Acho tão gostosa esta sala à noite, tão romântica, mas estou só nestes sonhos, a sala é só uma sala. O sofá imenso e velho está lá no mesmo lugar, pois não cabe em outro canto. O outro, que já foi desbotado pelo sol do litoral continua na mesma posição. A essência abraça o ar com sua sutileza. Sei que quando ele chegar nem vai se importar ou perceber. Penso:
-pra que mudar? e tudo tão gostoso e perfeito ...






Egoísmo


Divido os pratos
As risadas infantis
As flores
Os bons cheiros na cozinha
O vinho do vinho
O canto dos pássaros
As verdolengas montanhas...

Agora,
O egoísmo , deixa que seja só meu.
É isto que me sobra.


Entre o que inspiro
E expiro
Existe um segundo
Íntimo
Um ponto no universo
Que é só da minha propriedade

Entre o que inspiro
E expiro
Está a minha dor

E esta dor é só minha.




A reforma


Conversas profundas
Por aqui não tenho mais


Digo tijolos
Sifões
Tanques
Telhas


Sufoco meus ais
Entre cimentos e testeiras
Melancólicas massas corridas
Pisos
Revestimentos

Janelas com bandeiras
Acenam
Antes que me perca
Entre blocos de vidros
E tijolos vazados

Conversas profundas
Por aqui não tenho mais




Inseto


Sou


Mais além
Ouço sua voz distante

Assuntos corredios

Respostas triviais

Sextas noturnas

Somos
Sós

Questões percorrem velozes
Nossos silêncios

Compondo teias

Sinto-me inseto.

Linha rompida


Memória capenga
Passos curtos
Tropeço em cadarços
Desatados
Sujos
Da lama em que piso
Morro acima
Esqueço a exatidão do momento
Do sim tornado não
Do amor reduzido


Inata infância
Nada inocente
Intacta
Memória falha
Momentos longínquos
Bonecas, bailinhos...

Memória falha
Dias
Noites
Contas
Trabalho
Compras
Filhos
Gatas
Jardim
Horta
Cão
Onde tudo se encaixava
Concluo a ilusão
Improvável felicidade
Entre linhas
Linhas
Linhas
Podre linha
rompida




Bipartida



Bipartida
Noite longa que se torna dia
Sigo de olhos abertos,
Sonhos torcidos entre cobertas
O ar estagnado não se compadece
Deste meu desejo descontrolado
De me repartir em dois
Entre cacos, retalhos
Fragmentos de mim
Sorvo o tempo
Aguardo a solução
Anseio por perdão
Não pude partir.


quarta-feira, 4 de março de 2009

O pacto, capítulo 6 - carta 3 - abraço porque é mais eterno...

Carta 3



É claro que fez de propósito, óbvio que não fiquei nem um pouco satisfeita com sua economia de notícias e palavras, mas o que fazer de você, meu caro amigo impávido ( só pra te irritar mais um pouquinho...), se você é amigo meu há tantos anos que nem me lembro mais e se você é amigo exatamente por ser assim, deste jeitinho que é, amigo distante em matéria ,
mas presente em suposições emocionais...


O que eu quis dizer com isto?

Nem eu sei!

Lembra-se de quando brincávamos de bêbados
entornando litros e litros de água
na cozinha da minha casa?
Isto é que foi divertido nesta nossa vida em comum.

Brincar e sorrir com o imaginário, com a falsa realidade em que vivemos todos.
Tenho saudades e ter saudades dói muito quando a gente percebe isto de ter saudades,
queria ter saudades de coisas ruins,
olha que absurdo da sua velha amiga!
Se quiser explicações, depois eu explico,
assim, quem sabe fica curioso e
me escreve com mais rapidez?

A vida, a vida, a vida ela anda boa, mas às vezes tenho a impressão de que ela anda sozinha, esquece da gente lá pra trás, embaixo de qualquer árvore frondosa, ou abaixo de qualquer solzão escaldante.
Não sei, tenho a impressão
( novamente , desculpe-me a repetição) de que se a gente não pára de sonhar ou trabalhar demais e não sai correndo atrás da vida, ela é que larga mesmo a gente pra trás e quando a gente se apercebe , a vida já se foi , foi sei lá pra onde, mas foi, deixando a gente com cara de bobão pra trás.
Esta é minha maior sacada dos últimos tempos, achei até que, olhos a parte, foi a maior mesmo do que as sacadas belas e vitóriosas do Guga, menino caracol que sorri para o mundo com aqueles olhos apertados e sua boca rasgada.
Aliás, o que acha dele? Já parou pra pensar como é a vida, ou foi, deste astro dos esportes brasileiros? Fico pensando, olha aí eu pensando de novo, não perdi a mania, né? Mas, fico pensando em tantos Gugas que temos escondidos por aí, neste Brasilsão-de – meu Deus, onde tudo poderia acontecer de verdade,mas parecemos viver só das esperanças do verde bandeira.
Sabe, acredito na capacidade do povo ser feliz, não estar feliz ou esperar a felicidade de fora.

A gente é feliz e pronto, partindo deste princípio, menos que isto não teremos,que acha?
Voltando à vida, à minha, mais especificamente, minha vida anda boa, filhos crescendo, marido trabalhando contente, eu ainda me acertando na profissão, mas tudo bem, tudo conforme o esperado e é isto que me amedronta um pouco, a gente nunca está pronto pra viver como o esperado.
Fica uma sensação...
vazia...
Bem, deixa pra lá. Mais uma deixa pra você me escrever. Veja lá que aprendi com os anos a te deixar
curioso, não é?
Hoje não mando beijo,
mando abraço
porque me parece mais eterno.

Eu