domingo, 22 de março de 2009

O pacto, livro na net, Capítulo 7-entre essências, leite,o tempo e muito mais...


Conta de leite e essência de canela


Chegou mais uma conta de leite. Parece que ultimamente, as contas têm chegado mais rápido. Não sei se isto é um bom sinal ou não. O tempo está correndo e o que me faz perceber é o papel branco cheio de números em cima da geladeira me fazendo lembrar que terei , de novo, que pagar o leite.
Penso que isto demonstra uma mesmice terrível. Pior que isto, talvez seja ouvir do marido que, depois de ir na casa de uns amigos, se lembrou de nossa sala e me disse:
-Tô cansado desta decoração. Por mim,mudava tudo.
Ouço e penso:
-Está cansado só da decoração ou de mim junto com o sofá usado e o outro conjunto desbotado?
Parece uma loucura, mas tem gente que ainda chega em casa e a acha, uma casa aconchegante. Onde estará esta sensação pro dono dela?
Isto tudo fará parte de um stress permanente ao qual estamos atrelados nestes tempos de muitas dívidas e pouca grana ou será coisa pior?
-Há quem entre aqui e ache uma casa de boneca, uma casa acolhedora.
-Mas, quem será este ou esta louca?
Enquanto isto, o tempo passa e mais uma conta vindo do leiteiro chega. É definitivamente uma casa de família. Até conta de leite tem.
Volto até àquela mesma sala que ele está cheio e coloco essência no abatjour, essência de canela que recende pela casa e pelos meus pensamentos.
Acho tão gostosa esta sala à noite, tão romântica, mas estou só nestes sonhos, a sala é só uma sala. O sofá imenso e velho está lá no mesmo lugar, pois não cabe em outro canto. O outro, que já foi desbotado pelo sol do litoral continua na mesma posição. A essência abraça o ar com sua sutileza. Sei que quando ele chegar nem vai se importar ou perceber. Penso:
-pra que mudar? e tudo tão gostoso e perfeito ...






Egoísmo


Divido os pratos
As risadas infantis
As flores
Os bons cheiros na cozinha
O vinho do vinho
O canto dos pássaros
As verdolengas montanhas...

Agora,
O egoísmo , deixa que seja só meu.
É isto que me sobra.


Entre o que inspiro
E expiro
Existe um segundo
Íntimo
Um ponto no universo
Que é só da minha propriedade

Entre o que inspiro
E expiro
Está a minha dor

E esta dor é só minha.




A reforma


Conversas profundas
Por aqui não tenho mais


Digo tijolos
Sifões
Tanques
Telhas


Sufoco meus ais
Entre cimentos e testeiras
Melancólicas massas corridas
Pisos
Revestimentos

Janelas com bandeiras
Acenam
Antes que me perca
Entre blocos de vidros
E tijolos vazados

Conversas profundas
Por aqui não tenho mais




Inseto


Sou


Mais além
Ouço sua voz distante

Assuntos corredios

Respostas triviais

Sextas noturnas

Somos
Sós

Questões percorrem velozes
Nossos silêncios

Compondo teias

Sinto-me inseto.

Linha rompida


Memória capenga
Passos curtos
Tropeço em cadarços
Desatados
Sujos
Da lama em que piso
Morro acima
Esqueço a exatidão do momento
Do sim tornado não
Do amor reduzido


Inata infância
Nada inocente
Intacta
Memória falha
Momentos longínquos
Bonecas, bailinhos...

Memória falha
Dias
Noites
Contas
Trabalho
Compras
Filhos
Gatas
Jardim
Horta
Cão
Onde tudo se encaixava
Concluo a ilusão
Improvável felicidade
Entre linhas
Linhas
Linhas
Podre linha
rompida




Bipartida



Bipartida
Noite longa que se torna dia
Sigo de olhos abertos,
Sonhos torcidos entre cobertas
O ar estagnado não se compadece
Deste meu desejo descontrolado
De me repartir em dois
Entre cacos, retalhos
Fragmentos de mim
Sorvo o tempo
Aguardo a solução
Anseio por perdão
Não pude partir.


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